Estive pensando sobre viagens. Não somente aquela que nos remete a outros espaços físicos, mas as viagens que nos levam para dentro de nós mesmos. Entre uma e outra, não sei dizer a que mais me instiga. À medida que planejo minha viagem para New York, entro num período particulamente sensível aos devaneios intelectuais. Estou lendo. Lendo muito e cada vez mais longe de uma verdade plausível sobre qualquer coisa. Às vezes, tenho medo que essas viagens me levem a um caminho sem volta, longe da razão e da comunicação com outros seres. Mas, o fato é que nessa trajetória estou encontrando o meu não-lugar no mundo. Uma sensação estranha de não pertencimento, de dupla cidadania entre duas searas: da razão e a do devaneio. Viajar através das mentes, subjetividades e discursos alheios tem sido um prazer enorme. Talvez, elas me ajudem a lidar de forma prática com a vida real. Ou, ao contrário, destruam qualquer possibilidade de realidade. Seja aqui ou em Manhattan, o fato é que uma boa obra te faz pensar sobre que discurso é você. Nessa semana, li "Plataforma" de Michel Houllebecq e assisti um filme francês que não me lembro o nome. Os dois falavam praticamente sobre a mesma coisa: uma situação de individualismo extremo, em que as relações só se dão se fetichizadas. Nessas duas histórias, relações simples como a amizade se tornam peças raras, que precisam ser descobertas através de cursos, excursões, palestras e livros de auto-ajuda. Estou longe dessa situação limite, mas confesso que perdi o interesse, de um modo geral, pelas pessoas. Tenho me limitado a um número certo de amigos, que tenho a certeza de manter um diálogo - e uma convivência - de bom nível. Tudo muito agradável, sem sustos e sem decepções. As outras pessoas - os diferentes, no caso - simplesmente não me interessa conhecer, estabelecer contato ou simplesmente me aprofundar num relação. Por isso, é mais fácil o envolvimento emocional com depressivos, alcóolatras e os comprometidos. Nada de riscos, de sentimentos desperdiçados ou de reações extremas. Tudo aparentemente sob controle e com o contato mínimo para manter os hormônios equilibrados. Talvez, seja por isso que um parágrafo do livro de Houllebecq me tenha tocado particularmente: "como europeu abastado, eu podia comprar a baixo preço, em outros países, alimento, serviços e mulheres; como europeu decadente, consciente da minha morte próxima e plenamente aberto ao egoísmo, não via motivo para me privar de tudo isso. Mas tinha consciência que tal situação não podia continuar indefinidamente, pois pessoas como eu não são capazes de assegurar a sobrevivência de uma sociedade... Mudanças iriam ocorrer, já estavam ocorrendo, mas eu não conseguia me sentir implicado nelas; minha única motivação autêntica era tentar sair daquela bagunça o mais rápido possível". Enquanto isso, minha viagem segue indiferente as oscilações da bolsa...
terça-feira, 14 de outubro de 2008
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4 comentários:
Minha querida Maira,
a vida pode nos surpreender.
Nunca estive em Manhattan ou alhures, mas já estive em vários recantos do meu ser. Alguns eram sublimes, outros eram devastadores. Mas todos fascinantes.
Durante muito tempo me identifiquei com estas figuras de europeus decadentes. Acho que tem a ver com a nossa formação. Brasileiras de classe média, pequeno burgueses com devaneios intelectualóides. Uma saudades de Paris em que nunca estive!
Hoje ando bem brasileira. Amando o país tropical. Achando que somos mesmo o país do futuro, e que das cinzas do neoliberalismo vamos inventar algo novo, colorido, criativo.
É provável que seja mais um devaneio.
Mas uma vida sem viagens, físicas ou não, será uma vida que vale a pena ser vivida?
Estou muito feliz que você vá viajar. Ao encontro do mundo, ao encontro de você mesma. E, no fundo, desejo que você reencontre a alegria com as pessoas, esses desconhecidos e misteriosos seres que caminham por aí, em busca de não sabemos bem o que. Porque sempre a vida pode surpreender. Um beijo grande.
Lindo, Luisa. E viva as viagens !!!
Bi, você é perspicaz. Gostei muito do texto. Beijo!
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