Sol das oito horas da manhã do verão. Raios claros e intensos incidem sobre o concreto e o vidro. Ao longo do vale os edifícios rompem o asfalto, carros seguem em muitas direções. Meu imaginário vagueia em busca de contornos alternativos, do frescor das matas e dos palácios orientais. Se eu tivesse outro sonho feliz de cidade, o que acharia de São Paulo? Caminho pelo centro da cidade. Uma estrutura de rede de TV vela em frente à sede da prefeitura. Lá dentro está o prefeito, cujas decisões reverberam em muitas vidas. Apoiado pela maioria (afinal, foi eleito por ela), para ele se voltam olhos e ouvidos da cidade. Todos querem ouvi-lo, todos esperam que ele tenha idéias e propostas para que algo aconteça. A câmera da TV está à espreita de um grupo de manifestantes que, com suas faixas e bandeiras vermelhas, desce de uma van. A manifestação tem hora e data para acontecer, e avisou a rede de TV. A oposição caminha dentro do espetáculo esperado. Quer o prefeito ceda ou não, a vida continua.
Vejo os moradores de rua. São o resíduo de uma história de escolhas políticas de homens de poder. Penso nos homens de poder de quem de alguma forma estou próxima, por assim dizer. Sua resistência em medidas transformadoras. Em ciência política chamam a isso de incrementalismo – as decisões são tomadas dentro de um espectro em que há continuidade. Penso na Ágora. Quando fazíamos política para decidir nosso destino; todos, em praça pública. Quando a possibilidade de inventar o novo estava posta dia-a-dia, pois aí residia a nossa humanidade: na capacidade de invenção da nossa própria vida, do nosso próprio destino. O argumento de que na Grécia Antiga nem todos participavam da Ágora não refresca a nossa situação. Embora votemos todos a cada eleição, que poder temos de transformação, de invenção, de criação do nosso destino? Continuo caminhando. As lojas convidam ao consumo, como se me dissessem, “Consuma e viva para consumir. Não pense em mais nada.”. Na bolsa de valores decisões importantes são tomadas a cada dia. Passo em frente à bolsa todos os dias, e não tenho nenhuma gerência sobre o que acontece lá. A bem da verdade, mal tenho poder na “repartição” em que trabalho. Estamos vivendo tempos sombrios, desde a Segunda Guerra? Significa dizer que as duas últimas gerações estão com os olhos velados. Recuso-me a acreditar que meu destino seja sombrio, pois o sonho e o pensamento, o desejo e a consciência pulsam em mim. Talvez este momento seja apenas mais uma cortina, a obscurecer a luminosidade que há por trás de tudo.
5 comentários:
Não tenho o hábito de participar do mundo virtual, é ainda muito estranho para mim, mas diante deste texto, que alimenta algo que acredito, não poderia deixar de escrever. Para além do consumo temos a necessidade de voltar a pensar, se bem que tenho minhas dúvidas se houve, num passado, estas reais possibilidades. Devemos caminhar em busca da nossa humanidade, ou melhor, de construir nossa humanidade e não deixar que a “repartição” nos cale. É um movimento rizomático, e até um trabalho de formigas para utilizar jargões conhecidos. Pessoas como você Luísa, que propagam tais pensamentos, contribuem para a “iluminação” do ser humano e da vida!
Lais,
obrigada pelas suas lisonjeiras palavras, e ainda mais pela sua mais do que agradável companhia cotidiana na "repartição".
Faço esse caminho todo santo dia (nos dias não santos, evito-o). Penso nisso. Os moradores de rua, vestígios de decisões de gente importante, vestígios de gente, vestígios de humanidade, vestígios.
A luz que esbarra no concreto, a gente que esbarra no concreto. A Bolsa de Valores, as vitrines, os gritos, os carros, as luzes difusas, as ciganas e, finalmente, a repartição. Não é uma questão de olhar velado, minha querida amiga, não temos ingerência nenhuma. Ainda podemos discutir sobre o que realmente temos ingerência - dentro das nossas próprias vidas.
Eu me sinto assim também. E, correndo o risco de ser brega, penso numa frase do sábio Raul Seixas que me dá forças: "Coragem, coragem, se o que você quer é aquilo que pensa e faz. Coragem, coragem, eu sei que você pode mais!"
Bianca,
Acho que no fundo nosso modo de ser e nossos devaneios, nossos sonhos e utopias, quando vão contagiando pelo menos as pessoas mais próximas, projetam movimentos de transformação.
Ah, gosto muito do Raul. Ele dava profundidade a tudo de uma maneira bem simples. E bem direta.
Obrigada sempre pela convivência. Aprendo muito com você, com sua forma apaixonada e sincera de ver a vida.
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