quinta-feira, 13 de novembro de 2008

La nuit du mercredi


Debaixo daquela chuva torrencial rumei para o CCSP em busca de mais uma experiência com a música erudita contemporânea. Um tanto desconfiada (dormi na última apresentação), esperei o concerto da amiga Lucia Cervini e do querido Horácio Gouveia, enquanto lia numa revista semanal que a maioria dos brancos americanos votou em McCain.
Não é que o concerto surpreendeu?! Felizmente tive o prazer da companhia sempre agradável de Don XYZ. Lúcia arrasou na primeira música, de Flo Menezes. “Focalizações sobre uma série (1980) para piano preparado. No começo confesso que remexi na cadeira esperando uma melodia agradável. Música não era para ser fruição? Não. Música contemporânea é para ser forma, como notou Don XYZ. E foi bacana perceber a coreografia corpo da pianista e piano, chegou um momento que entendi que o barato do instrumentista é entrar em sintonia com o instrumento, tirar os sons mais inesperados (como fazer ranger a corda do piano), e ser o elo entre a mente (um tanto maluca) do compositor, a notação musical e a realização da obra. Se o resultado não agrada nossa expectativa do belo, nos intriga e instiga.
Três vazios de Lao-Tsé (1999) para piano, de Marcos Câmara foi uma música agradável, colorida, em torno de um mesmo tema, e voltou a trazer a sensação harmoniosa de que o piano é um instrumento melodioso.
Crucifixus (2005), de Mário Ficarelli, foi maravilhosa. Começou sombria, e trouxe a dimensão profunda do piano e da música. O som foi cercando o ambiente e crescendo, até tocar, em tons mais agudos, no cerne da alma. Fiquei emocionada. Música é vibração, e seus efeitos em nossa percepção são variados. No caso da música contemporânea, em geral, quando a melodia é quebrada e os compassos são irregulares, o efeito em mim, que sou leiga, é de inquietação. Mas nesta música foi pura fruição, uma viagem pelos sentidos de sobriedade, um conjunto de sombras que se iluminam intensamente a cada acorde.
E então remexo na cadeira novamente. Embora impressionada com a interpretação de Horacio Gouveia, “Cortázar ou quarto com caixa vazia (1999), de Silvio Ferraz, foi um experimentalismo que me causou incômodo. Provavelmente para quem conhece música, o efeito deve estar em se deliciar com as peripécias da forma, com os diálogos entre os períodos históricos. Quanto a mim, ficava pensando, “quando ele vai mudar esse tema?!”. A resistência advém da ignorância, afinal.
Por fim, “Prelúdio” (2004) de Edson Zampronha, retomou a sonoridade colorida e as possibilidades sonoras múltiplas do piano. A última nota durou no espaço, lembrando que o silêncio também é música.
Ficamos nos perguntando o que vem depois da música contemporânea. Será que os compositores decretaram o fim da música? Será que é o entendimento de que a experiência da audição é a experiência da vida contemporânea, com seus ruídos incessantes? Se os românticos louvavam a natureza, os contemporâneos traduzem a inquietação das megalópoles, a ausência de sentido que muitas vezes experimentamos na vida, a impressão de estarmos tão distantes de Deus? Ou será apenas experimentação para quem se imbui verdadeiramente da linguagem da música?
De toda forma foi uma noite encantadora. Obrigada, Lucia e Horácio, pelo convite e por trazer essa musicalidade toda para uma gostosa noite de quarta-feira; obrigada, Don XYZ pela querida e gratificante companhia.

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