Cais Bar tinha o horizonte e a promessa de felicidade. Não era somente um bar, Cais Bar era o lugar que elegi para me criar. Localizado na Praia de Iracema, em Fortaleza, foi nesse lugar que eu conheci a poesia, a autêntica música brasileira, os primeiros amores e também as longas esperas. O proprietário era obcecado por música e fez de lá um templo para seu culto. Instrumentos musicais eram expostos como santos. A música moldurava o pôr-do-sol e as pessoas comungavam “feijoada com chorinho”. Nas paredes, panéis com as caricaturas dos maiores intérpretes e músicos do Brasil. E, com tudo isso, a paisagem era apenas um terceiro elemento: a luz da aurora como cenário de um lugar santo. Todos os fins de semana eu ia a esse ritual sagrado. Aos sábados, os músicos começavam a tocar na hora do almoço até alcançar o outro dia. A noite passava com alegrias sutis e havia o momento em que o corpo descansava porque o espírito se erguia. Afinal, o que realmente importava era a comunicação que havia além das palavras. Era a hora em que o mundo esperava, que o ar congelava e tudo simplesmente existia. Momento que o homem era mais que um homem. E que não era preciso pensar sobre a luta de classes, a natureza humana ou sobre o céu e o inferno.
Alguns dias eram mares bravios, outros luas repousantes. Segunda era o dia da apresentação dos músicos regionais. Poetas, artistas, intelectuais e estudantes se encontravam na cumplicidade de uma mesma busca. Era quando o silêncio dominava e algum artista tardio atravessava as escadas do cais. O coração batia ao reconhecê-lo e as palavras se desenvolviam no nada. Era nesse período de vazio, sem promessas, que o espírito se alçava e voava livre. Só se ouvia o próprio sentimento e a música tocava novamente, não como o fim de um silêncio, mas como o auxílio bendito de uma outra adoração.
Cais Bar era meu lugar no mundo. Um bar que me apresentou as coisas e os valores que atualmente trago em mim. Saí de Fortaleza, mas continuei a freqüentá-lo nas férias. Os garçons se tornaram grandes amigos e sempre me senti voltando para minha própria casa. Mas houve o progresso e tudo mudou. A região onde estava o Cais Bar foi afetada diretamente pelo turismo institucional. Em lugar da música, meninas eram vendidas por alguns dólares. “Meu bar” foi um dos últimos pontos de resistência. Em plena época de alta temporada fechou as portas e se manifestou contra o turismo sexual e predatório. No entanto, não conseguiu se manter com as exigências desse novo contexto. Enquanto a cidade se desenvolvia, meu lugar sucumbia. Cais Bar agonizava na medida em que eu perdia a minha fé. O lugar morreu assim como também morreram todas as minhas ilusões. Atualmente, vivo na ‘selva de concreto’, mas é inútil esquecer: há uma ausência. A falta de um lugar onde se encontra a si mesmo. Inútil fugir para outra cidade, pois viver à margem da orla e das estrelas não substituirá a memória do que fui e do que senti. Atualmente, a noite de Fortaleza não tem o mesmo encanto e a lua reflete apenas a sombra de um lugar que já padeceu. Ao invés de Cais Bar prevalecem espaços simulados e as recordações de um tempo que passou. Assim mesmo guardo uma certeza: há um modo mais leve de existir.