Vi ontem na TV um programa que me pareceu extremamente oportuno para o contexto atual. Não me perguntem o nome porque já peguei o "bonde andando", mas a idéia é colocar uma espécie de "Super Nanny" das finanças organizando o orçamento de uma casa. Nesse programa específico, uma jovem de 25 anos, que morava em NY, estava completamente atolada em dívidas e a super-heroína da economia tinha que tirá-la dessa situação. Quando encontrei o canal - que agora não me lembro qual era - as duas estavam tendo a seguinte conversa:
- Porque você deixou a situação chegar a esse ponto?
- Eu não sei....
- De agora em diante, nunca mais me diga que "eu não sei". Porque você sabe exatamente porque preferiu comprar um vestido ou um carro em vez de pagar as prestações da hipoteca da sua casa.
- Eu achei que como sou jovem ia conseguir sair da situação, dar um jeito. Afinal, é preciso aproveitar a vida enquanto se tem idade para aproveitá-la...
- Não me diga que aproveitar a vida é contrair um empréstimo com as piores condições que eu já vi na minha vida. O que você fez, querida, foi o seu completo suicídio financeiro.
Depois de lágrimas e lamentações, a especialista começa, então, a fazer cortes e mudanças no estilo de vida da personagem. "Meu Deus, como vou viver sem as unhas feitas?". "Eu não posso ficar sem sair com as minhas amigas no final de semana" e blá blá blá. Lógico que como todo reallity show que se preze a garota vai superar vários obstáculos, fazer sacríficios e no final será recompesada porque superou seu fracasso financeiro. Uma pergunta não me saía da cabeça enquanto eu via a cenas: serão os endividados os novos heróis americanos? Afinal, eles têm que lutar com uma monstruosa lógica do consumo, que cria a cada minuto novas necessidades inúteis. Além disso, combater uma ideologia do prazer imediato, de aproveitar a vida ao máximo, sem pensar no futuro. "Don´t worry. Be happy". Agora, o povo americano - e por consequinte toda a sociedade ocidental - está vendo que há, sim, muitos motivos para se preocupar. O estilo de vida americano é incompatível com uma economia equilibrada. A aquisição de bens não gera só status, mas a definição de um papel no mundo, uma identidade. E não ter essa possibilidade é se perder socialmente. Não é à toa, que deixar de fazer as unha para essa moça seja um drama sem precedentes. Mas, aos poucos, a realidade passa ditar novas regras. Foi incrível ver a "personal" das finanças perguntar sobre emprego para a moça:
- Por que você não está trabalhando na sua área?
- Porque eu não me sentia feliz na minha área....
- E o que você ganha nesse outro trabalho está sendo suficiente para pagar as suas dívidas?
- Não.
- Então, vá ser infeliz ganhando dinheiro!
A conversa por mais absurda que pareça não deixa de ser engraçada. Por um lado, a sobrevivência falando mais alto que a realização pessoal. Por outro, a descontrução de uma idéia do trabalho "ideal". Ficou claro que não há sentido em falar de satisfação pessoal numa situação de crise. Por mais conservador que esse diálogo pareça, é muito interessante pensar que a continuidade desse sistema depende exatamente isso. Mesmo que depois se vendam livros de auto-ajuda, filmes sobre a realização dos sonhos e drogas da felicidade...Enfim, cada indivíduo tem que guerrear atualmente contra suas próprias escolhas. E na lógica desse mercado - para que o happy end aconteça - só os fortes sobrevivem...
3 comentários:
Que texto lúcido, Maíra. O absurdo da situação é que por trás do comportamento consumista da moça está orquestrada toda uma economia que trabalha com a necessidade do endividamento e mesmo com a quebradeira dos endividados. Assisti recentemente uma pesquisadora numa palestra dizer que a crise americana foi uma forma dos bancos se apropriarem dos ativos das famílias conquistadas à gerações (as casas). É de se pensar onde vamos parar. Gostei do texto e da reflexão. Beijo grande.
É verdade, Luisa. Pensei nessas questões também e é louco imaginar ao caminho que esses sitema nos leva.Estou com saudades de vc...
Bjos
Sou fraca e quero tudo: conforto e diversão, fazendo o que gosto. Óbvio que passo por maus bocados por conta desse meu desejo. Esse papo me lembrou uma entrevista que vi nesse fim de semana com o Toquinho. Ele dizia que, há alguns anos, marcou um jantar com o Mastroianni (isso, o ator), que chegou muito atrasado. Quando Mastroianni finalmente apareceu, reclamava muito das gravações, da maquiagem, de ter de decorar texto, ser dirigido, etc, etc, etc..Diante do espanto de Toquinho, ele veio com essa: "Bom, pelo menos é melhor do que trabalhar".
É isso!!!
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